quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O que quer Celso de Mello?


Agora sabemos o que o Ministro Celso de Mello quer, mas o texto a seguir foi publicado, pelo autor, antes do voto fatídico da quarta-feira, 18/09.

Obs. créditos para o Pedro Paim, que me sugeriu a leitura.

Autor: Edilson Mougenot Bonfim

Para o julgamento de amanhã, a questão não é dizer se são ou não cabentes os embargos infringentes. Tarefa assim simplista poderia ser reservada aos debates juvenis, até nos cursinhos preparatórios de concursos e nas faculdades, sem desdouro. A cidadania é mais profunda, o consenso nacional é mais intenso, só a compreensão do que está em jogo pode ditar a análise correta se quem julga, julga corretamente. O só fato de caber o debate (são ou não admissíveis os embargos?), já denota a polêmica em torno do caso, e a possibilidade de dar-se qualquer reposta juridicamente aceitável.

Juiz do STF não é o juiz de primeira instância, nem dos Tribunais Estaduais, nem do STJ, sem diminuí-los, evidentemente; mas, só “ministro do STF” só será chamado de juiz como figura de linguagem, já que a densidade de sua decisão, o caráter emblemático jurídico-político do órgão que compõe, perfila-o como um dos onze profetas da nação, quando esta se assenta sobre o marco referencial da democracia. Ministro do Supremo, é seu nome. A expressão não é colhida ao acaso onomástico, mas , pensada e repensada pelo curso da história, pela baliza da cívica inteligência de Rui Barbosa, pela ética que a busca de uma cidadania nacional buscou alicerçar.

O ato de decidir, antes de consciência, é ato de vontade, expressão anímico-afetiva, cujo intelecto vem em socorro para dizer com palavras, aquilo que se sentiu pré-actamente com o coração.

O STF se divide, pautado pela história e pautando a história. Não fiquemos aqui com discussõezinhas minúsculas, nada-mais-do-que-jurídicas, do molde” se os embargos infringentes são ou não cabentes ”, nem se foram ou não interpostos no prazo legal. Isto é para outra esfera, outro caso, outra bitola, que o caso, a esfera e o momento atual não comportam. Evidente, que não se faz tábula rasa do jurídico, mas aqui, é uma discussão mais-além. Perguntemos, isto sim, se existe ou não justiça no país e quais são os valores que esta pátria quer albergar e ensinar às futuras gerações?

Dizer-se imune ao vozeio das ruas, ao bulício das gentes, não é dado a nenhum juiz, nem ao novato na carreira, tanto que, a “ordem pública”, é expressão processual penal consagrada, além de dístico na bandeira, como suporte inerente ao progresso. Não pode, por outro lado, bem de ver, um juiz ser cabresteado pelas ruas, acorrentado pela opinião pública, ou pela opinião que se publica. Mas, dizer-se infenso ao sentido público ou popular, não se me afigura correto, quando não sendo ilhas, os homens; há em tudo o olhar do outro, o aplauso do outro, ou a crítica do outro. Vivemos e respiramos o mesmo ar, compomo-nos biologicamente de maneira análoga, aspiramos –senão egoístas-, a um país comum e melhor. Em tudo, decanta-se a pátria dos iguais, há sempre a invocação da figura do “outro”. O outro somos nós, e nós, juízes, refletimos o povo, o “outro como gênero”, de modo a atualizamos a interpretação da constituição sempre que necessário, se quisermos servir condignamente a este do qual “todo poder emana”, povo, o outro coletivo.

Não existe o magistrado auto-suficiente espiritual –não é Deus!-, intelectual –não sabe tudo-, afetiva -tem família, amigos, valores-, ou assalariadamente –recebe dos cofres “públicos”-, já que, para tais predicados, sempre concorremos nós outros, todos. Nos EUA, Marshall é festejado como o maior Juiz da história da Suprema Corte, pois “tinha o instinto do tigre para ir na jugular” dos problemas (cf. Edward Corwin). Foi ele quem fixou a função do Tribunal como supremo intérprete da constituição e quem “assumiu o papel de construir cimentos jurídicos o suficientemente sólidos para edificar uma nação forte” (Schwartz). Interpretar o direito vigente é tarefa do STF em última Instância. E ele se divide. Dworkin já ensinou que nos casos difíceis (hard cases) não existe uma só resposta jurídica possível, existem sim, respostas possíveis. Aí estão, cinco para um lado, e cinco para outro, todos cientes de que o acatamento dos embargos procrastrinará a decisão do paradigmático caso, acarretará a prescrição do crime de quadrilha e, levará a reanálise do mérito, em infindável e “juguetón” jogo dos recursos.

O que diz o Ministro Celso de Mello precedentemente a este caso, quando se manifestou no Ag.Ag. no Ag. 258.867-2, j. 26.9.2000, como relator, publicado no DJU em 2.2.2001, p. 77: que o ordenamento normativo “nada mais é senão sua própria interpretação” e que, qualquer quer seja o método hermenêutico utilizado o que se busca é a definição do sentido. Assim, forçoso é concluir, que para uns o “método literal” poderia contemplar a acolhida dos embargos, enquanto para outros, o “método sistêmico”, ou qualquer outro, refutá-los. Tal escolha de método, tal atividade interpretativa, ressalta Celso de Mello, não se configura em usurpação das atribuições normativas dos demais Poderes da República.

Conclusão: sabe o que fazer, sabe que pode fazê-lo, sabe como fazê-lo e sabe que sua escolha do método interpretativo e de sua fundamentação terá consequências históricas para o desenvolvimento da democracia. Como pertencente a um órgão guardião da Constituição Federal, sabe que o crime que julga é tão grave que provocou-lhe inaudita adjetivação –ira santa? Ira cívica? Ira judiciária?- ao analisá-lo, dizendo dos predicados imorais de sua prática e das consequências nefastas aos destinos da nação. Está na hora de entendermos sem meio termos, que o revestimento jurídico da decisão de amanhã, é apenas o verniz retórico de uma escolha mais profunda. O que Celso de Mello decidir, não é a letra da lei que o diz, já que esta diz tudo e nada, não é nem mesmo a Constituição Federal que o diz, pois esta desconhece a casuística. O que Celso de Mello decidir, será o que quis decidir. Será Marshall, ou não!

(Com os votos de boa sorte ao Ministro, na forma profana do antigo “Deus o ilumine”, pois a nação já entendeu tudo o que se passa e se passou)

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