No Fórum do Rio, onde tramitam
quase 2 milhões de processos, são
tomadas 5.000 decisões a cada dia
O Tribunal de Justiça: complexo de três prédios no Centro, com 24 elevadores, 132 varas, 400 gabinetes e 2000 salas |
É difícil não se perder. Distribuído por dois quarteirões no Centro, em uma área de 143.000 metros quadrados, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro ocupa três prédios de grandes dimensões. Juntos, formam um labirinto com seis entradas, dez blocos, 24 elevadores, 132 varas, 400 gabinetes e 2.000 salas. Não é suficiente. Do outro lado da rua, o Fórum do Rio aluga mais seis salas da sede social do Jockey Club. Há três semanas, começaram as obras para erguer outros dois edifícios, com previsão de inauguração em um ano. Hoje, por seus corredores – que somam 4 quilômetros de extensão, o tamanho da orla de Copacabana –, circulam 30.000 pessoas (incluindo 6.000 funcionários e 320 magistrados), grande parte em busca de informações sobre algum dos 1.920.219 processos em andamento (até quarta passada).
Esse complexo consome 2,3 milhões de quilowatts de luz por mês – o equivalente a um município de 46.000 habitantes. Gasta 15,3 milhões de litros de água mensais. Só banheiros, são 843, que consomem 840 litros de sabonete líquido e 2.000 rolos de papel higiênico. Por dia. Mensalmente, recolhem-se 700 toneladas de lixo. O fórum tem ainda um espaço ecumênico para cultos, uma academia de ginástica com 900 metros quadrados exclusiva para os magistrados, cinco agências bancárias, quatro lanchonetes e um restaurante com área reservada para juízes e desembargadores. Pelos corredores e cartórios, o comércio funciona a pleno vapor. Banquinhas oferecem livros jurídicos e versões atualizadas dos códigos. Ao todo, 75 ambulantes vendem sanduíches, doces, sucos e refrigerantes. Elange Machado, 49 anos, fatura 2.500 reais mensais. Na bolsa térmica, carrega dezoito potes de tortas e salgados e duas caixas de biscoitos amanteigados. "Tenho juízes e desembargadores como clientes há muitos anos", revela.
Almoço exclusivo: no Golosità, restaurante a quilo que funciona no fórum, uma treliça separa a área reservada para os magistrados |
Elange quase perdeu o ganha-pão no início do ano. Durante uma semana, os ambulantes foram proibidos de circular pelo Tribunal de Justiça. Passado o susto, veio um habeas corpus. O presidente do tribunal, desembargador Luiz Zveiter, 54 anos, que assumiu o cargo em fevereiro, estabeleceu precondições para os vendedores: agora todos são cadastrados, usam jaleco e portam crachá. Depois de dar um jeito na informalidade, o choque de ordem no Poder Judiciário tem, data venia, outro alvo principal: dar andamento rápido às montanhas de ações que se acumulam nas varas. Por dia, dão entrada no fórum 1.600 novos processos. De acordo com o Mapa do Judiciário Brasileiro, elaborado em 2008 pelo pesquisador Ivan Ribeiro, o tempo médio entre a distribuição de um recurso e seu julgamento é de 100 dias. Parece uma eternidade, mas o Tribunal do Rio é considerado o mais rápido do país. A cada dia, são proferidas 5.050 decisões. Tenta-se assim evitar que processos se eternizem. O mais antigo deles, o inventário nº 1911.111.002122-1, corre na 11ª Vara de Órfãos e Sucessões. Corre é maneira de dizer. O processo é datado de 1911.
Para acompanhar o trabalho dos juízes e facilitar as cobranças, o presidente do tribunal tem, para cada um deles, uma tabela de produtividade. Se um processo fica parado por mais de trinta dias, o magistrado responsável recebe um e-mail; se a paralisação é de mais de 100 dias, o juiz é convocado para prestar explicações. "Recebo diariamente cerca de trinta processos", conta a juíza em exercício da 40ª Vara Cível, Joana Cardia Cortes, 29 anos, a mais jovem do fórum. "Não posso deixar nada acumular. Por mês, dou cerca de 100 sentenças e 2.000 despachos."
Pressão nos gabinetes, vigilância maior nas instalações. O aumento da violência carioca redobrou os cuidados do Tribunal de Justiça. Não se veem mais presos algemados pelos corredores e elevadores. Escoltados por policiais militares, os detentos chegam ao fórum por uma entrada especial e desembarcam numa espécie de gaiola, que envolve o carro. Dali, são levados para dez celas. "Nem os próprios funcionários têm ideia do volume de presos que circulam por aqui", afirma o coronel Francisco Matias, diretor-geral de segurança institucional do TJ. Em média, são 140 por dia. No caminho para as salas onde serão julgados, usam elevadores exclusivos e corredores reservados. Em seus gabinetes, todos os magistrados contam com o "pedal do pânico": basta um toque para soar o alarme na central de monitoramento. A segurança tem de chegar ao local do chamado em três minutos.
Monitoramento: 384 câmerasvigiam todo o tribunal |
A vigilância já começa na entrada dos prédios, onde existem 25 portais e cinquenta aparelhos manuais para detecção de metais. Em fevereiro, o número de câmeras nas áreas externas e internas aumentou de 40 para 384, com capacidade de armazenamento de noventa dias – mais do que as do Palácio do Planalto, pelo visto. Desde então, 34 pessoas foram presas no entorno do TJ. Dentro, houve uma redução de 90% no número de pequenos furtos e brigas. Não há câmeras no banheiro, mas os seguranças flagraram, há duas semanas, o que se transformou na maior fofoca jurídica nos últimos tempos: dois advogados gays foram pegos em flagrante delito numa cabine. Fazendo exatamente aquilo. Foram repreendidos.
Com todo o seu gigantismo, o fórum vai crescer. "As pessoas descobriram, por meio do Código de Defesa do Consumidor, que têm direitos", explica Zveiter. "Com isso, aumentou muito o número de processos, e o Poder Judiciário teve de acompanhar." Os dois novos prédios somarão mais 30.000 metros quadrados ao complexo judiciário. Ao lado do conjunto de edifícios, a antiga construção em estilo eclético, dos anos 20, que abrigava os tribunais do júri – aqueles que julgam os crimes contra a vida –, está sendo reformada para receber o Museu da Justiça e a Escola do Servidor Público. A construção dos prédios e a reforma do antigo tribunal consumirão 110 milhões de reais. O Tribunal de Justiça trabalha com um orçamento anual de 192 milhões de reais. Em caixa, dispõe de mais de 600 milhões de reais, fruto do pagamento de custas judiciais. "Isto aqui é uma cidade, com tudo o que uma cidade tem", compara Zveiter. "E ainda temos a responsabilidade de dirimir conflitos."
Longe do público: dez celas,elevador e corredores para 140 presos que todos os dias lá são julgados fonte: VEJA RIO |
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