terça-feira, 8 de setembro de 2009

Linguagem Jurídica!

A autorregulamentação é medida eficiente para restringir a publicidade direcionada às crianças?

Tanto com relação à publicidade como em outros campos, a autorregulamentação não só tem se provado mais eficiente como igualmente mais legítima. Em diversos segmentos, ela foi pioneira no enfrentamento de questões socialmente relevantes.

O recente acordo firmado entre as empresas da indústria de alimentos para restringir a publicidade dirigida às crianças, exemplo bem-sucedido da autorregulamentação, faz ressurgir o debate sobre a eficiência desse mecanismo, em oposição às iniciativas do Executivo e do Legislativo. No que se refere especificamente à publicidade, sua proibição por lei é inconstitucional. Nenhuma passagem da Constituição autoriza o cerceamento da liberdade de criação, nos termos do artigo 220.

E nem há que questionar se esse dispositivo também se aplica à publicidade, pois nele se faz expressa menção à propaganda comercial. Os únicos produtos a que se pode estabelecer alguma restrição -e não proibição- à propaganda são aqueles expressamente mencionados no parágrafo 4º do artigo 220: tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias.

A fúria legislativa, no Brasil, faz com que alguns desatinos surjam de tempos em tempos, sendo aconselhável que a sociedade civil fique alerta para iniciativas que resultem em tutela excessiva do Estado.
Há alguns anos, uma lei do Estado de Santa Catarina pretendia vedar fotografias de natureza erótica em anúncios comerciais. O Supremo Tribunal Federal, com voto do ministro Sepúlveda Pertence, entendeu que é competência privativa da União legislar sobre propaganda comercial -como, aliás, dispõe a Constituição.

Há na Câmara dos Deputados um projeto de lei para proibir a publicidade destinada a promover a venda de produtos infantis. A propaganda de qualquer produto destinado apenas à criança se tornaria proibida. Fica a dúvida: publicidade de fraldas então seria proibida? E a de brinquedos? Não se discute que a livre iniciativa econômica deva ter limites.

A legislação referente às práticas anticoncorrenciais, por exemplo, impõe restrições que constituem barreiras à atividade econômica, mas, por mais paradoxal que possa parecer, são elas que protegem o seu desenvolvimento e o consumidor. O STF, em decisão com voto do ministro Eros Grau, decidiu que a liberdade econômica é a regra e que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais.

Nesse cenário, em que muito se discute e pouco se faz, a autorregulamentação tem papel essencial. Desde 2006, o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) adota recomendações tanto em relação à publicidade infantil quanto à de alimentos e bebidas.

Entre outras, sugere aos seus associados que a mensagem publicitária não contenha imperativo de consumo dirigido diretamente à criança ou ao adolescente. Essas recomendações têm sido respeitadas e, quando não são, o Conar suspende a publicidade.

O mesmo Conar antecipou-se e adotou diversas recomendações relativas à propaganda de bebidas alcoólicas, antes mesmo da edição da legislação relativa ao tema. A autorregulamentação tem representado, assim, uma eficiente alternativa para a normatização e para a prevenção e resolução de conflitos. Espontânea que é, se baseia em um consenso sobre os princípios e as práticas do setor econômico que regula.

Quando conta com a participação de representantes da sociedade civil, a autorregulamentação é respeitada pelos agentes que orbitam no seu entorno e é prestigiada pelo Poder Judiciário e pela coletividade. Na Europa, nos EUA e no Canadá, há acordos como esse firmado pela indústria alimentícia no Brasil. Neles, comprometeram-se as indústrias alimentícias a restringir e moderar a comunicação publicitária dos seus produtos, justamente por reconhecerem que o consumidor infantil é mais vulnerável e merecedor de proteção especial. A atitude, agora adotada no Brasil, só pode ser aplaudida.

Na prática, por uma ou outra razão, tanto as recomendações do Conar quanto o acordo assinado pela indústria alimentícia representam as únicas e efetivas regras existentes no país acerca do tema.

Por Taís Gasparian - mestre pela Faculdade de Direito da USP e sócia do escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo Gasparian - Advogados.

Texto publicado na Folha de S.Paulo

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