OPINIÃO - ESTADÃO - Terça-Feira, 31 de Março de 2009
"Por repetir os mesmos equívocos técnico-jurídicos da Operação Satiagraha - que confundiu simples indícios de corrupção com provas materiais inequívocas, fundamentou denúncias criminais com base em meras suspeições e evidenciou uma ação articulada entre o delegado, o promotor e o juiz de primeira instância responsável pelo caso -, a Operação Castelo de Areia não resistiu ao primeiro recurso interposto pelos indiciados na segunda instância da Justiça Federal. A operação foi desmontada pela desembargadora Cecília Mello, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, que aproveitou o recurso impetrado por sete pessoas que haviam sido presas preventivamente, na última quarta-feira, para dar uma exemplar lição de direito à Polícia Federal, ao Ministério Público e, principalmente, ao juiz Fausto De Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, que autorizou as duas operações.
Em despacho de 67 páginas, a desembargadora afirma expressamente que De Sanctis agiu com base somente em "meras conjecturas" e que foi conivente com "arbitrariedades, caprichos e humilhações gratuitas" a réus que "são primários, possuem famílias constituídas, residência fixa e ocupação lícita", desprezando o princípio constitucional da presunção de inocência. "A decisão se revelou repetitiva, não distinguindo excesso de fundamentação com fundamentação idônea (...) Observo que as palavras mais referidas no despacho revelam meras conjecturas. A título exemplificativo são elas: teriam sido, supostas, poderia estar havendo, revelaria em tese, eventual", disse Cecília Mello, depois de censurar o uso abusivo de verbos no futuro do pretérito, por parte de De Sanctis, e de criticá-lo por aceitar denúncias sem provas, constrangendo pessoas e empresas. "Não há um momento sequer que, em seu vasto arrazoado, a autoridade impetrada (o juiz De Sanctis) aponte com firmeza e objetividade a materialidade dos delitos", escreveu.
A desembargadora também criticou o titular da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo por ter, ao justificar a ordem de prisão contra diretores e funcionários da Construtora Camargo Corrêa, misturado crimes distintos, como superfaturamento de obras públicas, corrupção eleitoral e envio de recursos ilícitos ao exterior. Valendo-se dessa estratégia, disse ela, De Sanctis pode fazer digressões infundadas e açodadas sobre os sistemas partidário e financeiro. Com isso, ele relegou a segundo plano o fato de que não há nada de errado quando contribuições de empresas para partidos e candidatos são feitas com base na legislação e ainda envolveu um banco importante em seu despacho, como se fizesse parte de um esquema criminoso.
"A decisão atacada aponta a realização de remessas financeiras internacionais por meio de uma instituição devidamente autorizada a funcionar no País, portanto sujeita à fiscalização do Banco Central, o que pressupõe um mínimo de legalidade e lisura em suas operações", disse ela, depois de lembrar que a Camargo Corrêa "é uma empresa que mantém relações de trabalho em diversas localidades do mundo, sendo notória, inclusive pelas publicações de seus balanços financeiros, a realização de inúmeros pagamentos e recebimentos no exterior".
Em vez de solicitar informações às autoridades monetárias, buscar dados em registros públicos e acessar os arquivos da Justiça Eleitoral, disse Cecília Mello, o titular da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo imputou "o rótulo de ilegalidade" a todos os denunciados em seu despacho, cometendo equívocos processuais que permitirão a todos eles, se realmente forem culpados dos crimes de que são acusados, escapar ilesos. É o caso da ordem de prisão preventiva que, pelo artigo 312 do Código de Processo Penal, só pode ser decretada como "garantia da ordem pública, da ordem econômica (...) ou quando houver prova de existência do crime e indício suficiente de autoria". Segundo a desembargadora, como esses critérios foram desprezados por De Sanctis, a ordem de prisão por ele expedida foi flagrantemente ilegal.
O maior mérito da desembargadora Cecília Mello foi restabelecer a segurança jurídica. De seu despacho fica implícito que policiais e promotores, acompanhados pelo juiz, escolheram pessoas e empresas para verificar se cometeram algum ilícito - invertendo o devido processo legal, que consiste na apuração da autoria de um crime previamente conhecido."
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