fonte: http://www.boletimjuridico.com.br
Há poucos dias, nos deparamos com uma demanda proposta por um juiz que acionou o condomínio onde reside porque exigia que fosse tratado formalmente de “Doutor”. O MM. Juiz da Comarca de Niterói demonstrou, na respeitável sentença, que, independente do “poder de barganha” do autor da ação, não haveria meios para obrigar os funcionários do prédio a dar tratamento formal aos moradores, ainda porque não há embasamento legal para impor a eles este tipo de obrigação.
Preliminarmente, a etimologia explica que o vocábulo “doctor” procede do verbo latino “docere” (ensinar), ou também a palavra “douto” (de Doutrina) que significa Instrução, Sapiência.
Em segundo lugar, “Doutor” não é forma de tratamento, e sim um título acadêmico utilizado apenas quando se alcança grau de doutor, depois de defender tese diante de uma Banca.
Pode-se empregar no meio universitário, a expressão “doutor honoris causa”. Trata-se de um título honorífico que reconhece em algumas pessoas um notável saber e serviços relevantes, que configurem exemplo para a comunidade acadêmica e para a sociedade, alcançando assim um patamar de destaque e suma importância. Em Portugal, o título de doutor é estendido a todos que são formados em nível superior, mas no Brasil, meus caros, para ser doutor basta andar bem alinhado e ter um bom carro. Formando assim, em nossa sociedade, um tratamento de vassalagem, quem o usa ou se submete, se auto-exclui, ficando em posição inferior aos demais.
Pela tradição poderíamos ser tratados por doutores, pois, afirma a história, na antiguidade os escribas eram homens que atuavam como copistas e redatores das leis. Sua função entre os Hebreus era ensinar e interpretar as escrituras do Livro Sagrado e os ensinamentos de Moisés, dando origem ao que hoje chamamos de Jurisdição (aplicar e dizer o Direito).
Com o passar dos tempos, os sucessores dos apóstolos passam a serem chamados de padres apostólicos, que na geração seguinte, já em meados do século IV, são chamados de padres da Igreja, os “Doutores da Igreja”.São reverenciados pelo valor de suas pregações, pelos escritos, pela vida imaculada e ensino do caminho da fé. Podemos citar: Santo Agostinho (354-430) aquele mesmo autor da Escolástica Tradicional, do Jus Naturalismo Teocêntrico, de pensamento Platônico e São Tomás de Aquino (1225-1274) aplicando a Lex Eterna, com pensamentos Aristotélicos, juntos formando a Teoria das Causas.
O título de doutor aos Advogados foi usado pela primeira vez na Universidade de Bologna, nomeando-se “doctor legum”. No Brasil Colônia, a Realeza e as famílias ricas já necessitavam em seu meio social de um advogado, um padre e um político, diga-se de passagem, não sendo muito diferente dos dias de hoje... O Advogado, naquela época, tinha um poder decorrente de uma formação privilegiada, de elite, fazendo com que a sociedade o colocasse numa posição superior na escala social.
E pela Tradição o Alvará Régio, de Maria I, a Pia, de Portugal, no Império de D. Pedro I, forma o Decreto Imperial de 01/08/1825, alterado pela Lei do Império de 11/08/1827, criando o Curso de Ciências Jurídicas e Sociais. Dispõe também sobre o grau de doutor aos Advogados, declarando neste dia um feriado, que é comemorado até os dias de hoje.
Esta Lei Imperial cria os cursos jurídicos, com uma sede em Olinda (que é transferida para Recife em 1853) e outra sede em São Paulo. Essas academias sentiram logo a necessidade de criar cursos de filosofia e letras, melhorando assim o ensino e fortalecendo o senso crítico (em não havendo senso crítico, não há senso de justiça). Embora estas linhas filosóficas fossem distintas, enquanto Recife formava operadores do direito para atuar no Judiciário, São Paulo formava a elite da política brasileira. Desta saíram formados em 1866, na mesma turma: Rui Barbosa, Castro Alves e Afonso Pena. Daquela, ao norte do país, formou-se Clóvis Beviláqua.
Vivemos num país de várias influências regionais. Desde a época da escravidão o “Você” já bastaria, pois se trata de uma forma de tratamento cerimonioso, sendo uma contração do tratamento respeitoso “Vossa Mercê”, muito usado pelos escravos. Este tratamento cerimonioso é reservado a círculos fechados da diplomacia, clero, governo, judiciário e no meio acadêmico.
Numa atitude irracional e irrealista o “prodigioso juiz”, autor da ação, usou da máquina do Poder Judiciário para saldar um inconformismo pessoal. Ora, não cabe ao Poder Judiciário decidir e impor condutas nas relações sociais, impondo às pessoas que se relacionem com educação, formalidade e cordialidade.
O Advogado é um administrador de conflitos, que luta para garantir os direitos do cidadão, fazendo parte da vida profissional, o estudo constante, sensibilidade humana, honestidade, humildade e acima de tudo, ética, devendo concretizar os ideais da sociedade, pautando-se nos princípios que regem o nosso direito.
O profissional do direito conhece sua própria realidade, sabedor da sua função e responsabilidade, da importância ao atuar perante o Judiciário. Há quem diga que são “Doutores” por defenderem suas teses nos tribunais no cotidiano da advocacia.
Será mesmo necessário, dentro ou fora dos Tribunais, referirmo-nos aos juízes por “Excelência”, mesmo sabendo dos problemas que afligem nosso país? Crises, a necessidade de uma reforma Política, e quanto aquelas ações que aguardam julgamento há um bom tempo, formando pilhas e mais pilhas de processos nos tribunais, atravancando a Máquina do Poder Judiciário? E o princípio da Celeridade Processual? Há preocupações maiores do que estas...
Usar do Processo como um fim para garantir um Direito? Que direito é esse? Acabou tornando mais desprezível a deficiência da Administração da Justiça, agoniada pela enorme demanda de litígios.
Somos cada vez mais, vítimas de uma sociedade com tanta desigualdade social, corrupção, “monstros” nos representando no Congresso Nacional, Senado, Câmaras, que sequer sabem defender os interesses deles próprios, quem dirá os nossos????!!
Como iremos intensificar forças para resolver as dificuldades econômicas, políticas e sociais deste país? O aparelho estatal é falho, não consegue garantir nem os anseios do cidadão brasileiro, isso acarreta num descrédito da justiça, formando um pensamento errado a que, no limite, se tenda a ver a efetividade do Judiciário não como meio e sim com um fim em si mesmo.
Não devemos em momento algum, sermos incrédulos, desconfiarmos do brilhante trabalho dos Magistrados, não devemos transformá-los em burocratas, desacreditar de suas performances como eminentes julgadores e jogá-los no limbo.
Independente se “Doutores”, por direito ou tradição, ou quem quer que sejamos, somos “manobristas da máquina do Poder Judiciário” em busca de um país melhor, para as presentes e futuras gerações...
(Concluído em Curitiba/PR, 12/09/2005).
* Segue abaixo reprodução da sentença do processo mencionado acima:
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO COMARCA DE NITERÓI NONA VARA CÍVEL Processo n 2005.002.003424-4
O pedido de tutela antecipada foi indeferido às fls. 33.
Interposto Agravo de Instrumento, foram prestadas as informações de fls. 52. Às fls. 57 requereu o autor que emanasse ordem judicial para que os réus se abstenham de fazer referência acerca do processo, sobrevindo a decisão de fls. 63 que acolheu tal pretensão. O condomínio se manifestou às fls. 69/98, e ofertou cópia do recurso de agravo de instrumento às fls. 100, cujo acórdão encontra-se às fls. 125.
Contestação do condomínio às fls. 146 e da segunda ré às fls. 247, ambos requerendo a improcedência do pedido inicial. Seguiu-se a réplica às fls. 275. Por força de decisão proferida no incidente de exceção de incompetência, verificou-se a declinação de competência, com remessa dos autos da Comarca de São Gonçalo para esta Comarca de Niterói. Em decorrência do despacho de fls. 303v, as partes ofertaram seus respectivos memoriais, no aguardo desta sentença.
É O RELATÓRIO. DECIDO.
"O problema do fundamento de um direito apresenta-se diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um direito que se tem ou de um direito que se gostaria de ter." (Noberto Bobbio, in "A Era dos Direitos", Editora Campus, pg. 15).
Trata-se o autor de Juiz digno, merecendo todo o respeito deste sentenciante e de todas as demais pessoas da sociedade, não se justificando tamanha publicidade que tomou este processo. Agiu o requerente como jurisdicionado, na crença de seu direito. Plausível sua conduta, na medida em que atribuiu ao Estado a solução do conflito. Não deseja o ilustre Juiz tola bajulice, nem esta ação pode ter conotação de incompreensível futilidade. O cerne do inconformismo é de cunho eminentemente subjetivo, e ninguém, a não ser o próprio autor, sente tal dor, e este sentenciante bem compreende o que tanto incomoda o probo Requerente. Está claro que não quer, nem nunca quis o autor, impor medo de autoridade, ou que lhe dediquem cumprimento laudatório, posto que é homem de notada grandeza e virtude. Entretanto, entendo que não lhe assiste razão jurídica na pretensão deduzida. "Doutor" não é forma de tratamento, e sim título acadêmico utilizado apenas quando se apresenta tese a uma banca e esta a julga merecedora de um doutoramento. Emprega-se apenas às pessoas que tenham tal grau, e mesmo assim no meio universitário.
Constitui-se mera tradição referir-se a outras pessoas de "doutor", sem o ser, e fora do meio acadêmico. Daí a expressão doutor honoris causa - para a honra -, que se trata de título conferido por uma universidade à guisa de homenagem a determinada pessoa, sem submetê-la a exame. Por outro lado, vale lembrar que "professor" e "mestre" são títulos exclusivos dos que se dedicam ao magistério, após concluído o curso de mestrado. Embora a expressão "senhor" confira a desejada formalidade às comunicações - não pronome -, e possa até o autor aspirar distanciamento em relação a qualquer pessoa, afastando intimidades, não existe regra legal que imponha obrigação ao empregado do condomínio a ele assim se referir. O empregado que se refere ao autor por "você", pode estar sendo cortês, posto que "você" não é pronome depreciativo. Isso é formalidade, decorrente do estilo de fala, sem quebra de hierarquia ou incidência de insubordinação. Fala-se segundo sua classe social. O brasileiro tem tendência na variedade coloquial relaxada, em especial a classe "semi-culta", que sequer se importa com isso. Na verdade "você" é variante - contração da alocução - do tratamento respeitoso "Vossa Mercê". A professora de linguística Eliana Pitombo Teixeira ensina que os textos literários que apresentam altas freqüências do pronome "você", devem ser classificados como formais. Em qualquer lugar desse país, é usual as pessoas serem chamadas de "seu" ou "dona", e isso é tratamento formal. Em recente pesquisa universitária, constatou-se que o simples uso do nome da pessoa substitui o senhor/ a senhora e você quando usados como prenome, isso porque soa como pejorativo tratamento diferente. Na edição promovida por Jorge Amado "Crônica de Viver Baiano Seiscentista", nos poemas de Gregório de Matos, destacou o escritor que Miércio Táti anotara que "você" é tratamento cerimonioso. (Rio de Janeiro/São Paulo, Record, 1999). Urge ressaltar que tratamento cerimonioso é reservado a círculos fechados da diplomacia, clero, governo, judiciário e meio acadêmico, como já se disse. A própria Presidência da República fez publicar Manual de Redação instituindo o protocolo interno entre os demais Poderes. Mas na relação social não há ritual litúrgico a ser obedecido.
Por isso que se diz que a alternância de "você" e "senhor" traduz-se numa questão sociolingüística, de difícil equação num país como o Brasil de várias influências regionais. Ao Judiciário não compete decidir sobre a relação de educação, etiqueta, cortesia ou coisas do gênero, a ser estabelecida entre o empregado do condomínio e o condômino, posto que isso é tema interna corpore daquela própria comunidade.
Isto posto, por estar convicto de que inexiste direito a ser agasalhado, mesmo que lamentando o incômodo pessoal experimentado pelo ilustre autor, julgo improcedente o pedido inicial, condenando o postulante no pagamento de custas e honorários de 10% sobre o valor da causa.
P.R.I.
Niterói, 2 de maio de 2005.
Há poucos dias, nos deparamos com uma demanda proposta por um juiz que acionou o condomínio onde reside porque exigia que fosse tratado formalmente de “Doutor”. O MM. Juiz da Comarca de Niterói demonstrou, na respeitável sentença, que, independente do “poder de barganha” do autor da ação, não haveria meios para obrigar os funcionários do prédio a dar tratamento formal aos moradores, ainda porque não há embasamento legal para impor a eles este tipo de obrigação.
Preliminarmente, a etimologia explica que o vocábulo “doctor” procede do verbo latino “docere” (ensinar), ou também a palavra “douto” (de Doutrina) que significa Instrução, Sapiência.
Em segundo lugar, “Doutor” não é forma de tratamento, e sim um título acadêmico utilizado apenas quando se alcança grau de doutor, depois de defender tese diante de uma Banca.
Pode-se empregar no meio universitário, a expressão “doutor honoris causa”. Trata-se de um título honorífico que reconhece em algumas pessoas um notável saber e serviços relevantes, que configurem exemplo para a comunidade acadêmica e para a sociedade, alcançando assim um patamar de destaque e suma importância. Em Portugal, o título de doutor é estendido a todos que são formados em nível superior, mas no Brasil, meus caros, para ser doutor basta andar bem alinhado e ter um bom carro. Formando assim, em nossa sociedade, um tratamento de vassalagem, quem o usa ou se submete, se auto-exclui, ficando em posição inferior aos demais.
Pela tradição poderíamos ser tratados por doutores, pois, afirma a história, na antiguidade os escribas eram homens que atuavam como copistas e redatores das leis. Sua função entre os Hebreus era ensinar e interpretar as escrituras do Livro Sagrado e os ensinamentos de Moisés, dando origem ao que hoje chamamos de Jurisdição (aplicar e dizer o Direito).
Com o passar dos tempos, os sucessores dos apóstolos passam a serem chamados de padres apostólicos, que na geração seguinte, já em meados do século IV, são chamados de padres da Igreja, os “Doutores da Igreja”.São reverenciados pelo valor de suas pregações, pelos escritos, pela vida imaculada e ensino do caminho da fé. Podemos citar: Santo Agostinho (354-430) aquele mesmo autor da Escolástica Tradicional, do Jus Naturalismo Teocêntrico, de pensamento Platônico e São Tomás de Aquino (1225-1274) aplicando a Lex Eterna, com pensamentos Aristotélicos, juntos formando a Teoria das Causas.
O título de doutor aos Advogados foi usado pela primeira vez na Universidade de Bologna, nomeando-se “doctor legum”. No Brasil Colônia, a Realeza e as famílias ricas já necessitavam em seu meio social de um advogado, um padre e um político, diga-se de passagem, não sendo muito diferente dos dias de hoje... O Advogado, naquela época, tinha um poder decorrente de uma formação privilegiada, de elite, fazendo com que a sociedade o colocasse numa posição superior na escala social.
E pela Tradição o Alvará Régio, de Maria I, a Pia, de Portugal, no Império de D. Pedro I, forma o Decreto Imperial de 01/08/1825, alterado pela Lei do Império de 11/08/1827, criando o Curso de Ciências Jurídicas e Sociais. Dispõe também sobre o grau de doutor aos Advogados, declarando neste dia um feriado, que é comemorado até os dias de hoje.
Esta Lei Imperial cria os cursos jurídicos, com uma sede em Olinda (que é transferida para Recife em 1853) e outra sede em São Paulo. Essas academias sentiram logo a necessidade de criar cursos de filosofia e letras, melhorando assim o ensino e fortalecendo o senso crítico (em não havendo senso crítico, não há senso de justiça). Embora estas linhas filosóficas fossem distintas, enquanto Recife formava operadores do direito para atuar no Judiciário, São Paulo formava a elite da política brasileira. Desta saíram formados em 1866, na mesma turma: Rui Barbosa, Castro Alves e Afonso Pena. Daquela, ao norte do país, formou-se Clóvis Beviláqua.
Vivemos num país de várias influências regionais. Desde a época da escravidão o “Você” já bastaria, pois se trata de uma forma de tratamento cerimonioso, sendo uma contração do tratamento respeitoso “Vossa Mercê”, muito usado pelos escravos. Este tratamento cerimonioso é reservado a círculos fechados da diplomacia, clero, governo, judiciário e no meio acadêmico.
Numa atitude irracional e irrealista o “prodigioso juiz”, autor da ação, usou da máquina do Poder Judiciário para saldar um inconformismo pessoal. Ora, não cabe ao Poder Judiciário decidir e impor condutas nas relações sociais, impondo às pessoas que se relacionem com educação, formalidade e cordialidade.
O Advogado é um administrador de conflitos, que luta para garantir os direitos do cidadão, fazendo parte da vida profissional, o estudo constante, sensibilidade humana, honestidade, humildade e acima de tudo, ética, devendo concretizar os ideais da sociedade, pautando-se nos princípios que regem o nosso direito.
O profissional do direito conhece sua própria realidade, sabedor da sua função e responsabilidade, da importância ao atuar perante o Judiciário. Há quem diga que são “Doutores” por defenderem suas teses nos tribunais no cotidiano da advocacia.
Será mesmo necessário, dentro ou fora dos Tribunais, referirmo-nos aos juízes por “Excelência”, mesmo sabendo dos problemas que afligem nosso país? Crises, a necessidade de uma reforma Política, e quanto aquelas ações que aguardam julgamento há um bom tempo, formando pilhas e mais pilhas de processos nos tribunais, atravancando a Máquina do Poder Judiciário? E o princípio da Celeridade Processual? Há preocupações maiores do que estas...
Usar do Processo como um fim para garantir um Direito? Que direito é esse? Acabou tornando mais desprezível a deficiência da Administração da Justiça, agoniada pela enorme demanda de litígios.
Somos cada vez mais, vítimas de uma sociedade com tanta desigualdade social, corrupção, “monstros” nos representando no Congresso Nacional, Senado, Câmaras, que sequer sabem defender os interesses deles próprios, quem dirá os nossos????!!
Como iremos intensificar forças para resolver as dificuldades econômicas, políticas e sociais deste país? O aparelho estatal é falho, não consegue garantir nem os anseios do cidadão brasileiro, isso acarreta num descrédito da justiça, formando um pensamento errado a que, no limite, se tenda a ver a efetividade do Judiciário não como meio e sim com um fim em si mesmo.
Não devemos em momento algum, sermos incrédulos, desconfiarmos do brilhante trabalho dos Magistrados, não devemos transformá-los em burocratas, desacreditar de suas performances como eminentes julgadores e jogá-los no limbo.
Independente se “Doutores”, por direito ou tradição, ou quem quer que sejamos, somos “manobristas da máquina do Poder Judiciário” em busca de um país melhor, para as presentes e futuras gerações...
(Concluído em Curitiba/PR, 12/09/2005).
* Segue abaixo reprodução da sentença do processo mencionado acima:
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO COMARCA DE NITERÓI NONA VARA CÍVEL Processo n 2005.002.003424-4
S E N T E N Ç A
Cuidam-se os autos de ação de obrigação de fazer manejada por A.M.S.M.N. contra o C.E.L.V. e J. G., alegando o autor fatos precedentes ocorridos no interior do prédio que o levaram a pedir que fosse tratado formalmente de "senhor". Disse o requerente que sofreu danos, e que esperava a procedência do pedido inicial para dar a ele autor e suas visitas o tratamento de "Doutor", "senhor" "Doutora", "senhora", sob pena de multa diária a ser fixada judicialmente, bem como requereu a condenação dos réus em dano moral não inferior a 100 salários mínimos. Instruem a inicial os documentos de fls. 8/28. O pedido de tutela antecipada foi indeferido às fls. 33.
Interposto Agravo de Instrumento, foram prestadas as informações de fls. 52. Às fls. 57 requereu o autor que emanasse ordem judicial para que os réus se abstenham de fazer referência acerca do processo, sobrevindo a decisão de fls. 63 que acolheu tal pretensão. O condomínio se manifestou às fls. 69/98, e ofertou cópia do recurso de agravo de instrumento às fls. 100, cujo acórdão encontra-se às fls. 125.
Contestação do condomínio às fls. 146 e da segunda ré às fls. 247, ambos requerendo a improcedência do pedido inicial. Seguiu-se a réplica às fls. 275. Por força de decisão proferida no incidente de exceção de incompetência, verificou-se a declinação de competência, com remessa dos autos da Comarca de São Gonçalo para esta Comarca de Niterói. Em decorrência do despacho de fls. 303v, as partes ofertaram seus respectivos memoriais, no aguardo desta sentença.
É O RELATÓRIO. DECIDO.
"O problema do fundamento de um direito apresenta-se diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um direito que se tem ou de um direito que se gostaria de ter." (Noberto Bobbio, in "A Era dos Direitos", Editora Campus, pg. 15).
Trata-se o autor de Juiz digno, merecendo todo o respeito deste sentenciante e de todas as demais pessoas da sociedade, não se justificando tamanha publicidade que tomou este processo. Agiu o requerente como jurisdicionado, na crença de seu direito. Plausível sua conduta, na medida em que atribuiu ao Estado a solução do conflito. Não deseja o ilustre Juiz tola bajulice, nem esta ação pode ter conotação de incompreensível futilidade. O cerne do inconformismo é de cunho eminentemente subjetivo, e ninguém, a não ser o próprio autor, sente tal dor, e este sentenciante bem compreende o que tanto incomoda o probo Requerente. Está claro que não quer, nem nunca quis o autor, impor medo de autoridade, ou que lhe dediquem cumprimento laudatório, posto que é homem de notada grandeza e virtude. Entretanto, entendo que não lhe assiste razão jurídica na pretensão deduzida. "Doutor" não é forma de tratamento, e sim título acadêmico utilizado apenas quando se apresenta tese a uma banca e esta a julga merecedora de um doutoramento. Emprega-se apenas às pessoas que tenham tal grau, e mesmo assim no meio universitário.
Constitui-se mera tradição referir-se a outras pessoas de "doutor", sem o ser, e fora do meio acadêmico. Daí a expressão doutor honoris causa - para a honra -, que se trata de título conferido por uma universidade à guisa de homenagem a determinada pessoa, sem submetê-la a exame. Por outro lado, vale lembrar que "professor" e "mestre" são títulos exclusivos dos que se dedicam ao magistério, após concluído o curso de mestrado. Embora a expressão "senhor" confira a desejada formalidade às comunicações - não pronome -, e possa até o autor aspirar distanciamento em relação a qualquer pessoa, afastando intimidades, não existe regra legal que imponha obrigação ao empregado do condomínio a ele assim se referir. O empregado que se refere ao autor por "você", pode estar sendo cortês, posto que "você" não é pronome depreciativo. Isso é formalidade, decorrente do estilo de fala, sem quebra de hierarquia ou incidência de insubordinação. Fala-se segundo sua classe social. O brasileiro tem tendência na variedade coloquial relaxada, em especial a classe "semi-culta", que sequer se importa com isso. Na verdade "você" é variante - contração da alocução - do tratamento respeitoso "Vossa Mercê". A professora de linguística Eliana Pitombo Teixeira ensina que os textos literários que apresentam altas freqüências do pronome "você", devem ser classificados como formais. Em qualquer lugar desse país, é usual as pessoas serem chamadas de "seu" ou "dona", e isso é tratamento formal. Em recente pesquisa universitária, constatou-se que o simples uso do nome da pessoa substitui o senhor/ a senhora e você quando usados como prenome, isso porque soa como pejorativo tratamento diferente. Na edição promovida por Jorge Amado "Crônica de Viver Baiano Seiscentista", nos poemas de Gregório de Matos, destacou o escritor que Miércio Táti anotara que "você" é tratamento cerimonioso. (Rio de Janeiro/São Paulo, Record, 1999). Urge ressaltar que tratamento cerimonioso é reservado a círculos fechados da diplomacia, clero, governo, judiciário e meio acadêmico, como já se disse. A própria Presidência da República fez publicar Manual de Redação instituindo o protocolo interno entre os demais Poderes. Mas na relação social não há ritual litúrgico a ser obedecido.
Por isso que se diz que a alternância de "você" e "senhor" traduz-se numa questão sociolingüística, de difícil equação num país como o Brasil de várias influências regionais. Ao Judiciário não compete decidir sobre a relação de educação, etiqueta, cortesia ou coisas do gênero, a ser estabelecida entre o empregado do condomínio e o condômino, posto que isso é tema interna corpore daquela própria comunidade.
Isto posto, por estar convicto de que inexiste direito a ser agasalhado, mesmo que lamentando o incômodo pessoal experimentado pelo ilustre autor, julgo improcedente o pedido inicial, condenando o postulante no pagamento de custas e honorários de 10% sobre o valor da causa.
P.R.I.
Niterói, 2 de maio de 2005.
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